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POPOL VUH

Ilustração dos irmãos gémeos por Luis Garay, na edição para os mais jovens escrita por Victor Montejo para as edições Groundwood Books, Canadá 2005.

O termo Popol Vuh do idioma quiché pode ser traduzido como o “livro da comunidade”. Trata-se de um registo documental da cultura maia, produzido no século XVI, e que tem como tema a criação do mundo deste povo. Popol é interpretado como “comunidade” ou “conselho”, e dá a ideia de algo de propriedade comum; e Vuh ou Wuj, em quiché moderno, significa “livro”. Tudo indica que o manuscrito original do Popol Vuh tenha sido escrito por volta de 1554-1558, em alfabeto latino no idioma quiché. Traduzido para o castelhano pelo frade Francisco Ximénez, em 1701, o documento manuscrito encontra-se hoje em Chicago, na Biblioteca Newberry. Em 1861, Charles Étienne Brasseur de Bourboung baseou-se na tradução de Carl Scherzer e publicou em francês o texto com o título Popol Vuh.

 Este livro é talvez o mais forte exemplo da continuidade cultural maia desde o período Clássico até ao século XVI. Investigações recentes indicam que muita da mitologia da criação do Popol Vuh quiché, particularmente a porção que concerne aos heróis gémeos Junajpu e Ixbalanqué, era conhecida dos maias Clássicos. Partes desta secção do manuscrito podem ser localizadas no sítio Proto–Clássico de Izapa. Actualmente, tendo em conta as cenas pintadas  durante o Proto–Clássico e Clássico referentes ao Popol Vuh, fazem desta narrativa a mais velha mitologia documentada do continente americano.

A primeira parte do Popol Vuh descreve a criação do mundo e os seus habitantes saídos do mar e céu primordial. Como o mito mexica dos cinco sois, também aqui se registam múltiplas criações e destruições, cada uma associada a uma fase particular do mundo. No entanto, esta sucessão de criações humanas são caracterizadas e destruídas por uma razão específica. De  acordo com o Popol Vuh as pessoas são feitas para alimentarem os deuses, na forma de orações e sacrifícios. É o povo do milho, o produto desta plantação cósmica, que finalmente providencia sustento aos deuses, numa clara analogia aos ciclos de sementeira dos campos de milho.

Cena de uma cerâmica representando o episódio do Popol Vuh em que Junajpu dispara sobre o pássaro Wuqub Kaqix. Clássico Tardio, 600-900 d.C. Edições Könemann, 2006.

A segunda maior porção do Popol Vuh concerne ás actividades dos dois irmãos gémeos. Os gémeos mais velhos, Xpiyacoc e Xmucane, são nomeados pelas suas datas calendáricas: Hun Hunahpu e Vucub Hunahpu. Hun Hunahpu teve um par de filhos a quem chamou Hun Batz e Hun Choven, treinados pelo seu pai e pelo seu tio como grandes artistas e performers. Xquic, que está impregnada por Hun Hunahpu, dá á luz outro par de gémeos, Ixbalanqué e Junajpu, os grandes heróis gémeos que vão derrotar o pássaro Wuqub Kaqix. Mas  a sua vitória mais impressionante é derrotar os deuses da morte e demónios de Xibalba, no receado mundo subterrâneo. Muita da mitologia em redor do jogo de bola entre os maias, no Período Clássico, centra-se no simbolismo dos jogos efectuados pelos irmãos gémeos no interior do submundo, assim como na movimentação dos astros terrestres e das quatro direcções do mundo.

A terceira parte do livro centra-se na genologia de diversas etnias maias que habitaram as terras altas do México e Guatemala.

Vai decorrer em Lisboa, de 13 a 17 de MARÇO de 2019, no Museu Calouste Gulbenkian – Colecção Moderna, a Mostra Ameríndia: Percursos do Cinema Indígena no Brasil.

Organização da Apordoc, em conjunto com os centros de investigação CHAM, CRIA, ICS,  IHA, e o Museu Calouste Gulbenkian.

Para aceder a informação detalhada: https://www.doclisboa.org/2019/mostra-amerindia-percursos-do-cinema-indigena-no-brasil/

As culturas nativas da área do Oceano Pacífico. Luís Covarrubias. Editorial Raízes, México.

As civilizações desenvolveram-se apenas em alguns lugares ao longo do globo terrestre. Dois destes lugares – os Andes e a Mesoamérica – encontram-se na última massa continental a ser colonizada pela humanidade. Desde as terras geladas do Alasca e do Árctico canadiano, atravessando as pradarias da América do Norte, passando pelos trópicos equatoriais e descendo os maciços andinos e as terras baixas Sul americanas, até à Terra do Fogo, as Américas apresentam uma variedade de paisagens e climas que serviram de cenário para os desafios colocados à capacidade de adaptação humana. Em 1519, Hernán Cortés e o seu grupo contemplaram, pela primeira vez, a capital colhua-mexica, Tenochtitlán, flutuando nas águas do Lago Tetzcoco, no planalto central mexicano. O seu companheiro incrédulo, Bernal Díaz, enalteceu a visão desta grande ilha metrópole, com os seus templos, praças, ruas ordenadas, jardins e passagens como “suplantando tudo o que se poderia ver em toda a Europa”.

No entanto, com a invasão ocorrida a partir do século XVI, fracturou-se de forma drástica a continuidade cultural que durante mais de trinta milénios havia inspirado os indígenas americanos forjando a sua própria identidade. Escrevendo por volta de 300 anos depois de Cortés, Charles Darwin descrevia os índios de canoa yahgan, da Terra do Fogo, como “os mais miseráveis infelizes à face da terra”, vivendo no mais baixo grau de existência humana. Darwin não estava consciente que, por décadas, caçadores de baleias e focas dizimaram as colónias de mamíferos marinhos dos quais os yahgan dependiam, introduzindo doenças contagiosas, além do álcool, no decurso da sua passagem, com consequências devastadoras.

Ilustração de embarcação da Polinésia. Fonte: Internet.

As narrativas divergentes coloriram a imaginação europeia que, de certa maneira, continua a ser tão ignorante sobre as culturas ameríndias agora como o era no século XVI. O etnocentrismo ocidental produziu, ao longo do tempo, um discurso parcializado sobre os seus movimentos expansionistas, tendo recebido no apoio da religião um instrumento político, chegando a referir-se à sua acção hegemónica como a fase dos descobrimentos; uma designação despida do seu sentido em relação aos povos e culturas pré-colombianas que continuam a ser propensas a uma classificação de primitivas e misteriosas. A própria questão da “descoberta” da América é, em si, ambígua. Sabemos que o primeiro contacto europeu com as Américas aconteceu através dos vikings, por volta do ano 1000 d.C., cujas colónias na Terra Nova foram possivelmente destruídas pelas populações autóctones. Mais recentemente, no Sul da Islândia, restos de ossadas encontradas foram identificadas, através de testes de ADN, como sendo referentes a homens e mulheres ameríndios trazidos para a Europa pelos povos escandinavos. Fora do contexto europeu é muito provável uma ligação trans-Pacifíco através de povos australianos e polinésios, talvez até antes de Cristo, no extremo Sul do continente americano. No entanto, o discurso oficial do ocidente exclui qualquer precedente, focalizando a sua afirmação em  Cristóvão Colombo  que, ao invés de um descobridor foi uma espécie de testa de ferro empresarial, ao exterminar as populações arawks, nas Antilhas Maiores, a troco de uma extorsão de recursos que teve a sua consumação, anos mais tarde, na exploração das minas de Potosi, nos Andes Centrais.

Massarocas de milho. Fonte: Internet.

Muitos investigadores estão de acordo que foram necessários 50.000 anos para que o Norte e o Sul do continente americano fosse povoado; sabemos de certeza que os primeiros colonos humanos chegaram à Patagónia por volta de 10.000 anos atrás. Com o aquecimento global que se seguiu no final da última idade do gelo, os habitats naturais favoreceram o desenvolvimento estável das diversas comunidades, proporcionando a transição gradual da caça e da recolecção para a agricultura. Tal como na Europa, algumas plantas selvagens tornaram-se colheitas altamente produtivas como resultado de milhares de anos de selecção e criação humana. Nas terras baixas da América do Sul este processo inclui a cassava – também conhecida como yuca ou mandioca, que requer uma tecnologia sofisticada de processamento – e outros tubérculos, picantes, amendoins, tabaco e algodão. Nas terras altas da América do Sul lamas e alpacas domesticados providenciaram carne para alimentação e lã, como serviam de animais de transporte bem adaptados ao terreno vertiginoso. O cavalo nativo americano extinguiu-se muito cedo, sendo que o cavalo que nos é familiar só foi reintroduzido na América no século XVI pelos espanhóis. O porco da Guiné foi outra fonte alimentícia – complementada com batata, feijão e quinoa. Na Mesoamérica o milho foi de importância estrutural, uma vez separado do seu progenitor selvagem – evitando assim uma criação cruzada – foi adoptado tanto na América Central como na América do Sul; permitindo o crescimento demográfico e aumentando a complexidade social.

Pintura de Monte Albán. Miguel Covarrubias, Museu Nacional de Antropologia e História, Cidade do México. Fotografia de Tempo Ameríndio.

Tal como em outras partes do globo a competição pelas melhores terras aráveis e água levaram à ascensão das elites governantes que presidiam sobre a agricultura e a produção de artefactos. Por seu lado, este processo levou ao crescimento da religião e à criação de obras de arte que reflectem tanto as preocupações espirituais como políticas. Desta forma, nas costas do Golfo do México, de 1200 a.C. para diante, a precoce cultura olmeca criou o primeiro grande estilo de arte mesoamericana. Esta cultura foi seguida pela ascensão das cidades estado maias, cujos relevos e hieróglifos esculpidos em pedra assinalam eventos decisivos na vida dos seus reis e rainhas. No planalto central do México, agricultores, artesãos e comerciantes mantiveram a cidade cosmopolita de Teotihuacán, acomodando uma população de 200.000 habitantes por volta de 500 d.C., fazendo desta um dos seis maiores centros urbanos do seu tempo. Teotihuacán continua a servir como exemplo de metrópole modelo, com um centro urbano multi-étnico alimentado por uma rede de comércio a longa distância.

No vale de Oaxaca, os zapotecas e posteriormente os mixtecas alargaram progressivamente o centro de Monte Albán, com os seus templos, tumbas e campos de jogo localizados numa esplanada no alto de uma montanha. Entretanto, mais para Sul, na costa peruana do Pacífico, produziu-se uma tradição de grandes recintos cerimoniais em forma de U, com uma arquitectura monumental e praças afundadas que precederam a introdução quantitativa da cerâmica. Facto que vem trazer uma nova premissa à investigação científica, já que usualmente se considera o surgimento de culturas através da cerâmica, o que não aconteceu no espaço andino, onde os têxteis e a arquitectura prevaleceram como elementos fundadores. Ainda anterior a estes centros e até mesmo antes do florescimento da civilização olmeca, Caral, situada perto da costa, no centro do Peru, é considerado o primeiro complexo urbanístico de todo o continente americano, na mesma época em que florescia a civilização egípcia.

Vista geral de Machu Picchu, Peru. Fonte: Internet.

O ritual e a cerimónia também deixaram a sua marca em Chavín de Huantar, no flanco Este da Cordilheira dos Andes, na forma de imagens interligadas de animais e pássaros. A arte de chavín exerceu uma influência seminal na cultura andina, sendo que os estados costeiros como os moche, nazca e chimú desenvolveram estilos de arte inovadores e diferenciados. Os vasos moche rivalizam na destreza com as cenas pintadas nos vasos Áticos da Grécia antiga; enquanto a estética de mancha policromática da cerâmica nazca aponta para a estilização abstracta, milhares de anos antes da arte ocidental colocar tais questões nas suas expressões artísticas. Os domínios contemporâneos de Wari e Tiwanaku, das terras altas andinas, tinham já criado estilos abstractos geométricos que utilizaram em têxteis, olaria e trabalhos escultóricos.

Qualquer pessoa que tenha percorrido os antigos caminhos que atravessam os Andes, levando ao topo da cidadela de Machu Picchu – empoleirada no topo de uma alta montanha com vista para o rio Urubamba – terá ficado maravilhada pelo engenho e capacidade envolvida na sua criação. Em torno deste sítio encontram-se fileiras rítmicas de terraços agrícolas que desempenharam um papel crucial na manutenção desta localidade. Ao domar as encostas vertiginosas, os incas tornaram um nicho ecológico previamente inexplorado, entre os vales baixos e as altas punas de campos de ervas, num terreno agrícola extremamente produtivo.  A sua sabedoria em relação às necessidades pragmáticas da gestão de água e tecnologia de irrigação juntava um conhecimento consumado da paisagem com uma sensibilidade estética sem precedentes. A vasta grandiosidade destes terraços em Pisac, Moray e Ollantaytambo ainda nos tira a respiração hoje em dia. Na costa desértica do Peru a irrigação tinha sido utilizada durante milénios para suportar uma agricultura de vale intensiva, a par com uma crescente especialização na fauna marítima, que capitalizou o bem estar dos recursos piscatórios nas margens do Oceano Pacífico.

Canais de regadio, América do Sul. Fonte: Internet.

Em outros ambientes, como as terras de ervas inundadas sazonalmente de Llanos de Mojos na Bolívia, em redor do lago Titicaca e nas bacias do Grande Rio das terras baixas da Colômbia e Equador, a criação de padrões complexos de campos levantados e canais permitiu um micro clima favorável que terá facultado a estes agricultores primordiais colheitas milagrosas.  Técnicas similares foram aplicadas no planalto mexicano e nas terras baixas dos maias. Todos estes complexos foram geridos de forma superior, paisagens “domesticadas” que requeriam uma enorme concretização de trabalho para projectar, construir e manter.

Desde os têxteis bordados de paracas – que eram os mais finos em qualquer parte do mundo ao seu tempo – à fusão e elaboração de uma gama de mistura de metais, as origens da metalurgia recuam quase 4.000 anos na América do Sul. O continente americano criou uma diversidade cultural espantosa, em cada nicho ecológico disponível, desde a costa aos desertos, desde as terras baixas ribeirinhas às elevadas montanhas de terras verdejantes.

Volador totonaca. Editorial Raízes, México.

Ao longo da América as culturas desenvolveram os seus calendários para marcar os movimentos do sol, da lua e das estrelas. A arquitectura pública inicial era produto do empenho colectivo para controlar as poderosas forças naturais que governavam as alterações sazonais e o sucesso das colheitas. A posição dos templos era frequentemente ligada ao ritmo do cosmos. Os sacerdotes estavam encarregues com a tarefa de alinhamento dos locais sagrados e templos, como a kalasasaya – o recinto sagrado – em Tiwanaku ou o Templo Maior de Tenochtitlán, dispostos em lugares chave, relativamente ao nascer e ao pôr do sol. Estes locais dão-nos um vislumbre do conhecimento impressionante das matemáticas e astronomias pré-hispânicas.

Estruturas monumentais foram construídas na forma de plataformas aplanadas, abrangendo desde os montículos de terra da cidade de Cahokia, no vale do Mississípi perto de Saint Louis, até às fachadas de pedra das pirâmides de Tlalóc e da “Lua” em Teotihuacán, além das estruturas monumentais, construídas em adobe, na costa peruana, como a Pirâmide do “Sol” no vale de Moche. Nenhuma destas construções assume a forma clássica triangular das pirâmides do Egipto e, de facto, não devem nada a contactos ou influências externas ao continente americano. Elas reflectem uma tendência humana universal para segregar o espaço secular e sagrado, tal como aconteceu com os zigurates no antigo Iraque.

Reconstituição digital de aldeamento iroquês. Fonte: Internet.

Ao contrário da Eurásia as Américas não viram a emergência de um grande império até ao século XIV d.C. – uma característica que tem levado à diminuição destas culturas como sendo “atrasadas”. No entanto a Constituição da Confederação Iroquesa foi inspiradora do Congresso Norte Americano, na procura de consensos entre o Senado e a Casa de Representantes. Seria importante sublinhar que, tanto nas macro estruturas como no âmbito das comunidades simples ameríndias, a reciprocidade caracterizou o seu padrão de vida socioeconómico, independentemente dos constrangimentos políticos.

Por volta de 1400, emergiram duas potencias com o intento de exercerem o controlo numa escala sem precedentes. Na Mesoamérica o domínio dos mexica promoveu um estado de ideologia mítico-militarista, desenvolvendo uma extensa rede comercial para assegurar materiais valiosos, incluindo a obsidiana, o algodão além de materiais exóticos como as deslumbrantes penas de quetzal. Entretanto, os incas, evoluindo sob tradições andinas mais antigas, criaram não só o maior império nativo das Américas, como consolidaram o seu poder na forma de um estado, tal como estes são reconhecidos ao longo da história. Expandindo-se com uma admirável rapidez, desde a sua terra natal no vale de Cuzco, governaram sobre um vasto território da cordilheira andina Sul americana. Tal como os mexica, perseguiam o domínio de bens materiais, penteando obsessivamente o seu império para terem acesso às espinhosas ostras – as spondylus princeps – reverenciadas pela sua concha de vermelho sanguíneo.

Museu do Templo Mayor, Cidade do México. Fotografia de Tempo Ameríndio.

Para onde se dirigiam as antigas culturas americanas, sob a égide destes dois regimes poderosos, nunca chegaremos a saber. Subitamente, estrangeiros que atravessaram o Oceano Atlântico introduziram um novo e inesperado desafio. Não tendo sido recebidos como deuses, ao contrário do que afirma a versão lendária da história, souberam, no entanto, explorar as tensões políticas e culturais existentes no seio das sociedades ameríndias – por exemplo, o império Inca vivia o final de uma guerra civil à chegada de Francisco Pizarro que se prolongou por mais 30 anos; com a competição pelo poder repartido entre a legitimidade indígena, os aventureiros que de forma corrente chamamos conquistadores e a coroa espanhola.

Milhares de anos de inovação cultural independente da América tinha acabado ao ser submetida por ideias e práticas que vinham da Europa, África e Ásia. A imposição religiosa, a penetração cultural e económica abalou o núcleo social e em muitos casos chegou a desintegra-lo, provocando a marginalização das comunidades. Os antigos habitantes da América sofreram com o choque desta invasão e subsequente colonização; o genocídio, a exploração calculada e a destruição cultural sistemática foram as ferramentas de uma expressão assente na iniciativa privada apoiada pelos estados soberanos europeus que deram inicio, no século XVI, ao processo de globalização da qual continuamos a fazer parte.

Principais etnias ameríndias no século XVI. Mapa de Carlos Punta e Tempo Ameríndio.

Outra consequência nefasta destes acontecimentos foi que teriam que passar muitos anos para que se inicia-se um estudo sério que permitisse recuperar à América antiga o seu lugar dentro do património da humanidade. Não obstante de um reconhecimento cultural cada vez mais patente, as comunidades indígenas americanas continuam a ser uns estranhos na sua própria casa e, no entanto, foram vastas e importantes as suas realizações em vinte ou vinte e cinco mil anos de história independente. Estes povos conseguiram uma das mais admiráveis demonstrações de história cumulativa que existiram no mundo: erigindo uma arquitectura de sentido cosmológico, desenvolvendo sociedades complexas com índices de higiene e reciprocidade que o “Velho Mundo” nessa altura não praticava, explorando a fundo as fontes do meio natural, domesticando ao lado das espécies animais as espécies vegetais mais variadas para a sua alimentação, os seus remédios e os seus venenos – facto nunca antes igualado – promovendo substancias ao papel de estimulantes ou de anestésicos; coleccionando certos venenos ou estupefacientes em função das espécies animais sobre as quais exercem uma acção electiva. Levando determinadas industrias como a tecelagem, a cerâmica e o trabalho de metais preciosos ao mais alto nível de perfeição. Para apreciar esta obra, basta medir a contribuição da América para as civilizações do “Velho Mundo”. Em primeiro lugar a batata, a borracha, o tabaco e a coca – base da anestesia moderna – que, a títulos sem duvida diversos, constituem quatro pilares da cultura ocidental. O milho e o amendoim, que vieram a revolucionar a economia africana antes talvez de se generalizarem no regime alimentar da Europa; em seguida, o cacau, a baunilha, o tomate, o ananás, o pimento, várias espécies de feijão, de algodões e de cucurbitáceas, uma família de plantas de haste rastejante como a abóbora ou o melão.

O hieróglifo maia para 0. Edições Könemann, 2006.

Finalmente, não poderíamos deixar de referenciar o zero, base da aritmética e, indirectamente, das matemáticas modernas, que era conhecido e utilizado pelos maias pelo menos meio milénio antes da sua descoberta pelos sábios indianos, de quem a Europa o recebeu por intermédio dos árabes. Talvez por esta razão os calendários mesoamericanos fossem mais exactos que os do “Velho Mundo”. A questão de saber se o regime político dos incas era socialista ou totalitário já fez correr muita tinta. Apresentava, de qualquer maneira, as formas mais modernas e tinha em avanço vários séculos sobre os fenómenos europeus do mesmo tipo.

 

Mapa de H. A. Shelley. Cambridge University Press, 1982.

As transformações na arquitectura dos templos, os novos campos de jogo de bola e as plataformas para exibir crânios indicam a existência de um culto religioso e bélico de clara influência centro-mexicana que removeu e substituiu as práticas religiosas anteriores. Os objectos de cerâmica do Pós-Clássico nas terras altas também demonstram essa transformação religiosa. Todas as cerâmicas do período Pós-Clássico das terras altas são, no entanto, de origem local ou regional. No período Pós-Clássico Inicial, com a cerâmica cor de chumbo chegou um novo produto que procedia da região costeira do sudoeste da actual Guatemala, habitada pelos pipil, um enclave de ascendência e língua nahua. As influências estilísticas do México central podem ser observadas em vasilhas isoladas, elaboradas com arzila fina de cor laranja, ou em cerâmicas de estilo mixteca-puebla.

O povo maia do período Pós-Clássico trabalhou o ouro e o cobre, mas também metais como a prata, o zinco e o estanho. Os maias elaboraram jóias com cobre e ouro, como colares, aros, orelheiras, diademas e varetas para adornar os lábios. Com o metal também se criaram figuras, machados, agulhas e arame. Outra novidade no âmbito dos objectos de culto foi umas campânulas feitas de bronze, que serviam de adorno aos dançantes e que provavelmente também se colocavam nos ídolos. O Pós-Clássico foi uma época marcada pelos conflitos bélicos. Numerosas representações de guerreiros e divindades da guerra, tanto na arte como nos crânios de inimigos sacrificados que eram expostos sobre estruturas de madeira, ilustram a grande relevância que tinham as confrontações violentas. Algumas novas armas de procedência centro-mexicana dão conta de eficientes técnicas militares, como o arco e a flecha ou os coletes revestidos de algodão, permitindo uma maior capacidade de protecção em combate.

Os irmãos gémeos do Popol Vuh. Ilustração de Luis Garay. Edição Artes de México, 1999.

No princípio do período Pós-Clássico Tardio o povo k’iche’ destacou-se entre os demais grupos maias das terras altas; mediante uma política expansionista agressiva, submetendo primeiro as populações vizinhas e posteriormente quase toda a totalidade das terras altas. No Popol Vuh, uma fonte escrita da época colonial que narra em língua k’iche’ a criação do mundo, o nascimento dos povos maias e a história dos k’iche’ explicam-se mitologicamente os inícios do domínio desse povo e a aparição na sua cultura de elementos próprios do México central. Como muitas outras elites soberanas da Mesoamérica, a nobreza k’iche’ legitima a sua soberania na origem dos seus antepassados em Tula. No entanto, não é claro se a origem dos antepassados dos k’iche’ tem a sua proveniencia no México central. O Popol Vuh relata novos costumes e crenças religiosas que traziam consigo estes antepassados emigrantes e que foram impostos mediante a guerra e a conquista da população assente nas terras altas. A obra continua, relatando que contraíram matrimónio com as mulheres da zona e assim se converteram nos pais fundadores das etnias k’iche’, kaqchikel, rabinal e tz’utujil

O sistema de organização sociopolítica e religiosa, durante o período Pós-Clássico, ajuda a compreender a evolução das guerras que levaram os k’iche’ à supremacia das terras altas e como a perderam. A unidade política menor era o chinamit, um território com habitantes que estavam subordinados à mesma casa real e que se definiam como comunidade. Mantinham relações fictícias de parentesco com a casa soberana, trazendo o seu nome. No chinamit – ou “lugar balizado” em língua nahua – a sociedade dividia-se em dois estratos: os ajaw ou nobres e príncipes e os al k’ajol ou guerreiros comuns e vassalos. A nobreza formava a dinastia autêntica, que se constituía por linha paterna. Os seus membros exerciam os cargos políticos e religiosos, actuando como chefes militares. Em Q’umarkaj, os membros das casas grandes dos nimak’iche’ possuíam os cargos políticos mais importantes. Os príncipes viviam num lugar fortificado – ou tinamit – recebendo os tributos dos seus vassalos. A principio, o estrato social guerreiro correspondia unicamente aos nobres; porém, com o decorrer dos anos e devido à necessidade também se outorgou esta condição aos vassalos. Além dos estratos sociais mencionados, as fontes documentais informam de outros grupos: escravos ou munib’, servos camponeses ou nima’q achi, comerciantes ou ajb’eyom e artesãos ou ajtoltekat.

O centro de Cahyup, Baixa Verapaz, Guatemala. Desenho de Tatiana Proskouriakoff, 1946.

Enquanto as camadas sociais dentro do chinamit não se podem identificar com segurança, os lugares fortificados explicam as relações entre as distintas casas reais. A sua designação como nimja ou casa grande deve-se aos grandes edifícios administrativos que se podem identificar como parte elementar dos típicos grupos de pátios k’iche’. Supõe-se que um destes complexos, composto por templo, palácio e nave principal, utilizado como edifício administrativo, era a sede de uma casa real. Segundo isto, as povoações como Ixmachi ou Q’umarkaj deviam ser sede de várias casas grandes que estavam vinculadas por alianças matrimoniais e formavam uma unidade política superior ao chinamit.

As casas reais aliadas em ligas chinamit não conformavam apenas uma zona de poder unitário, como se conluiavam num amaq’, termo que por vezes se traduz por “tribo” ou “povo”. Cada um dos grupos confederados formava um amaq’, chamando-se winaq k’iche’ ou gente k’iche’. Parece que no período Pós-Clássico as fronteiras étnicas e linguísticas não coincidiam com as unidades políticas. As pessoas identificavam-se sobretudo no plano do amaq’ e não na língua comum. Por isso, a paisagem política da época apresentava uma imagem bastante parcelada.

Jarra em forma de pássaro, Guatemala 900-1150 d.C. Cântaro de Mixco Viejo, Guatemala 1300-1500 d.C. Könemann, 2006.

O sistema social descrito explica tanto a criação como o desmoronamento da soberania k’iche’. Com o chinamit como unidade política menor, cuja casa real podia formar alianças políticas flexíveis com outras chinamit, no sentido de exercer o controlo militar e territorial. As terras altas do Pós-Clássico mostram uma organização social que facilitou aos nimak’iche’ estender continuamente o seu poder político por essa região. Os matrimónios entre as famílias dos príncipes k’iche’ e as casas amaq’ conquistadas ou aliadas, assim como a delegação de representantes das casas reais k’iche’ em territórios submetidos, criaram um sistema de soberania hegemónica que, apesar das revoltas e divisões nos finais do século XV, manteve-se integra na grande parte das terras altas durante o período colonial.

Entretanto, o avanço do soberano K’iq’ab até à fronteira de Soconusco colocou em contacto os k’iche’ com a área de domínio dos acolhua-mexica. No período Pós-Clássico os mexica governavam a localidade mencionada e utilizavam-na como centro de comércio com as regiões setentrionais da Mesoamérica. Deste modo, os elementos culturais do México central estenderam-se até ao Sul da Mesoamérica. As circunstâncias políticas instáveis e a débil posição dos k’iche’ conduziram a que no ano de 1510 Q’umarkaj também se vira exortada a satisfazer tributos para o México central. A superioridade de Tenochtitlan e a presença de comerciantes mexica, quem sabe também de diplomatas, em Q’umarkaj acabou com as guerras permanentes nas terras altas maias até à invasão espanhola, alguns anos depois.

out-of-the-maya-tombs

Out of the Maya Tombs, by David Lebrun, enters the world of Maya painted vases to explore the royal life and rich mythology of the Maya, as well as the tangled issues involved in the collection and study of looted art. The story is told by villagers, looters, archaeologists, art historians, dealers and curators. For each, these vases have a radically different value and meaning.

We know this release has been a long time coming, but we think you’ll find its been worth the wait. This is a 2-DVD set. The first DVD contains the full 96 minute feature version of the film; this is the version that has been screened at festivals, museums and universities throughout the US and Europe, and which has been the winner of numerous international awards. The second disk contains a 54-minute abridgement of the film, which some may find more practical for classroom use, as well as 9 short films exploring different aspects of the film’s themes in more depth.

This is an educational release. A home use edition, containing only the 96-minute feature, will come at a later date. For more information: http://www.der.org/films/out-of-the-maya-tombs.html

From Aztlan daily digest (FAMSI)

 

 

 

AMÉRICA CENTRAL

Mapa de Carlos Punta. Edições Corregidor, Argentina.

Parece não existir um consenso, por parte dos especialistas, sobre o carácter das primeiras sociedades agrárias nestas zonas continentais. Há quem opine que foram sociedades baseadas no parentesco e na identidade étnica, com propriedade comunal sobre os meios de produção. Outros pensam que foram sociedades desiguais agrupadas em federações ou aldeias. Porém, o que parece claro é que algumas delas evoluíram para formas de poder baseado nos caciques, que utilizaram simultaneamente os ecossistemas da montanha tropical e da costa. Terão estabelecido relações mais ou menos violentas de dominação sobre outros grupos próximos que se encontravam num estado simples de evolução, tendo estado permanentemente em guerra com outros territórios caciques similares. Porem, ao mesmo tempo, mantiveram fluidas relações de intercâmbio. Portanto, toda a zona continental costeira, desde a Nicarágua até ao Este da Venezuela, foi uma complexa franja de interacção material, ainda que não de uma maneira homogénea. Na costa nicaraguense, por exemplo, a agricultura de conucos teve bastante êxito. Na Costa Rica, os güetar, controlavam boa parte da montanha e da costa. No Panamá, Comagre, Veragua e Darién foram áreas de importante desenvolvimento. Zenús e Taironas, na actual costa colombiana, alcançaram ao que parece uma maior identidade cultural e produtividade agrícola – com uma portentosa rede de canais e camalhões de cultivo – que outros grupos da América Central instalados em zonas de menor potencial ecológico; onde boa parte da produção agrária se obtinha com bastões para cavar.

Cerâmica coclé, Panamá. Arte pré-colombiana. Scala Group, Itália.

Será durante o período Clássico mesoamericano, entre 400 e 900 d.C. que se dará a transformação cultural dos diversos grupos da América Central, com a assimilação de povos amazónicos. Exemplo disso, é que não utilizaram materiais permanentes nas construções, o estabelecimento das comunidades foram temporais e, periodicamente, desativavam as suas residências. Tão pouco aplicaram o conceito de centro cerimonial. Em seu lugar, desenvolveram uma religião personalizada e um culto aos seus chefes que incluía a tatuagem e as pinturas corporais com os símbolos do líder. Este costume foi adoptado pelas etnias que emigraram da Mesoamérica, para a América Central, durante o Pós-Clássico. Não existiram, neste período, territórios alargados marcados por influências regionais. Observam-se certas zonas de difusão em Coclé, que se estendeu culturalmente sobre a península de Azuero e Plata del Venado. Como elementos estrangeiros, apareceu na zona Coclé uma cerâmica importante e pilares construídos que sugerem uma penetração nortenha no oriente da América Central.

Os chorotega construíram vivendas e templos de barro e palha. As suas pirâmides foram pequenos montículos de terra, sem templos no seu topo, tendo apenas uma peça lítica, para o ritual de sacrifícios na sua plataforma. O seu governo era presidido por um conselho de anciãos ao qual estava subordinado o Chefe de Guerra. À diferença de outros grupos que apenas praticavam a antropofagia como ritual, os chorotega deram um valor económico à carne humana, para o qual dispunham de “gado” humano obtido em caças organizadas de forma periódica.

Pendente chiriquí, Panamá. Arte pré-colombiana. Scala Group, Itália.

Parece que os nicarao haviam chegado à América do Sul, pois encontraram-se alguns elementos associados a este grupo em território venezuelano. Mais a Sul, nas terras que se estendem desde o Norte da Costa Rica até ao Panamá, existiu um mosaico de pequenos reinados, sem unidade política, com uma multiplicidade de idiomas, sendo conhecidos genericamente como tribos chibchas.

Na região atlântica, o Pós-Clássico Tardio caracterizou-se por ser um período de marcado ritual religioso, onde alguns símbolos sugerem influências meridionais. Na Costa Rica, levantaram em redor das áreas cerimoniais e cemitérios, montículos de paredes e recintos semi-enterrados com muralhas de pedra. Também construíram aquedutos e caminhos empedrados. Estes grupos dispunham de plantações de milho, cacau e tapires domesticados. Levantaram plataformas piramidais que serviam de bases templárias. Por sua vez, estavam presentes outras características especificamente meridionais como alguns objectos de culto, a utilização de redes para descanso e tecidos feitos de casca de árvore que sugerem contactos com grupos arawak. Dedicaram-se a um comércio intensivo e estavam sempre num estado beligerante. O seu governo foi um sistema de chefias com uma classe nobre poderosa e um xamanismo institucionalizado que tendia a transformar-se num principado despótico para a época da invasão ocidental. Nas artes prestaram maior atenção à ourivesaria e à cerâmica.

«Metate» zoomórfica da Costa Rica. Fonte: Internet

As regiões dos povos chiriquí e diquís, assim como a de Veraguas no Panamá, apresentam estreitas afinidades. Os sítios arqueológicos situados no Sul da Costa Rica, ao longo do Pacífico, apresentam montículos revestidos com pedra talhada e agrupadas em redor de praças. As sepulturas eram construídas de forma rectangular e, sobre elas, colocaram grandes lápides. Tiveram o costume Sul-americano do culto às cabeças-troféu. Também fabricaram uma cerâmica sensível e uma joalharia intensa, onde o ouro com que trabalharam os ourives deve ter sido importado.

O intercâmbio comercial deste período foi tão intenso como no anterior e muito do artesanato chegou até à cidade maia de Chichén Itzá por via comercial; além disso mantiveram vínculos comerciais com a península de Nicoya de onde obtinham o jade. Na Costa Rica realizou-se uma das mais originais talhas líticas da América antiga. Juntamente com a escultura modelaram-se excelentes cerâmicas escultóricas e pictóricas, além de uma  ourivesaria proeminente, pelo seu desenho e qualidade de manufactura, assim como uma abundante lapidaria, da qual se destacam as peças denominadas como «metates».

AS HIPER MULHERES

Com receio que a sua esposa já idosa venha a falecer, um velho pede que o seu sobrinho realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu (Mato Grosso), para que ela possa voltar a cantar uma última vez. As mulheres do grupo começam os ensaios enquanto a única cantora que de facto sabe todas as músicas se encontra gravemente doente.

Data de lançamento: 2011 
Realização: Takumã Kuikuro, Carlos Fausto, Leonardo Sette
Música composta por Kuikuro Culture
Edição: Leonardo Sette
Roteiro: Takumã Kuikuro, Carlos Fausto, Leonardo Sette
Produção: Carlos Fausto, Vincent Carelli

TEOTIHUACAN EXIHBITION

Inside of the  Quetzalpapálotl complex. Photo Ancient America (Tempo Ameríndio).

 

September 30, 2017 – February 11, 2018
De Young Museum, Golden Gate Park, San Francisco Exhibit

«Teotihuacan: City of Water, City of Fire» will explore how artworks from the ancient city shape our understanding of Teotihuacan as an urban environment. One of the earliest, largest, and most important cities in the ancient Americas, Teotihuacan is now a UNESCO World Heritage Site and the most visited archaeological site in Mexico. The exhibition, organized in collaboration with Mexico’s Instituto Nacional de Antropología e Historia (INAH), will feature recent, never-before-seen archaeological discoveries and other major loans from Mexican and US cultural institutions. Monumental and ritual objects from Teotihuacan’s three pyramids will be shown alongside mural paintings, ceramics, and stone sculptures from the city’s apartment compounds. By bringing these pieces together, and encouraging visitors to understand the context of specific sites within the city, the exhibition will provide a rare opportunity for Bay Area audiences to experience a significant place in Mexico’s cultural landscape—the captivating and mysterious ancient city of Teotihuacan.

https://deyoung.famsf.org/exhibitions/teotihuacan-city-water-city-fire

VALDIVIA

Fonte: Internet.

 

Valdivia foi uma cultura que se desenvolveu entre 3.500 e 1.500 a.C. na costa ocidental do Equador, encontrando-se principalmente na Península de Santa Elena e também no estuário de Guayas, nos rios Manabí e Oro. O desenvolvimento da cultura valdiviana e muitos dos seus elementos culturais, como a cerâmica, difundiram-se rapidamente para as áreas vizinhas. Sendo uma verdadeira cultura do período Formativo, não há duvidas de que os valdivianos seguiram as tradições arcaicas da caça, pesca e a recolecção de moluscos; porém não se encontrou até agora provas claras de que fosse uma cultura intensivamente agrícola.

Como todas as sociedades da época, a cultura valdiviana teria uma organização do tipo tribal. Regulavam a sua vida através da reciprocidade e os laços de parentesco, que asseguravam a sobrevivência do grupo. É possível que tivesse contado com chefes especialistas nas relações com a esfera sobrenatural. Actualmente conhecem-se 22 sítios num período de 1.000 anos. Em Real Alto, que tinha uma população estimada em 2.000 habitantes; as casas estavam distribuídas ao redor de uma praça aberta. Pelas suas dimensões, possivelmente albergavam vários grupos familiares, tendo uma forma oval de 12 m por 8 m e era delimitada por valas. Parece que a população usava pinturas corporais, colares, adornos labiais, orelheiras e alucinogénios. A presença de enterros debaixo do piso argiloso das cabanas residenciais é bastante característica de muitas sociedades agrícolas. De facto, os enterros servem como títulos de propriedade que indicam cuja linhagem é dona da propriedade. Talvez os valdivianos fizessem o mesmo. A presença de uma “matriarca” num enterro especial no montículo do ossário de Real Alto reflecte, possivelmente uma organização matricial para a cultura de Valdivia.

A economia de Valdivia era mista, baseada na agricultura e na obtenção directa de recursos naturais. As culturas principais eram o milho, feijões e abóboras. É possível que também plantassem malaguetas e amendoim, assim como algodão. Recolectavam frutos silvestres como papaias, pinhas, anonas e caçavam veados, pescavam e recolectavam mariscos.

Fonte: Internet.

A cultura valdiviana destaca-se por ser uma das primeiras sociedades ameríndias em que se massificou o uso da cerâmica. Confeccionavam principalmente panelas, tigelas, sempre de boca larga e base côncava. Para a decoração destas vasilhas empregaram várias técnicas, como o modelado, o inciso ou estampado, com o que realizavam motivos geométricos, sobre vasilhas geralmente polidas. Outro elemento destacável da olaria desta cultura, são as figurinhas, cuja maioria representam mulheres nas suas distintas fases da vida feminina; como a puberdade, a gravidez ou o parto. A importância que tinha o adorno pessoal para esta cultura, também se mostra em figurinhas com adornos labiais, colares e orelheiras. Estes elementos eram feitos principalmente de conchas marinhas como o molusco bivalve e o búzio que, posteriormente teriam grande importância para o ritual dos povos andinos.

Os almofarizes em forma de felinos, macacos ou papagaios serviam para pulverizar substâncias medicinais e alucinogéneos, sendo que a folha de coca com cal eram os elementos mais utilizados. Estes objectos figuram entre a parafernália dos antigos ritos de transformação religiosa facilitada pelo uso de plantas de poder. Estes almofarizes, caracterizados por ter um recipiente côncavo, foram utilizados também para moer alimentos, preparar pigmentos ou colorantes, folhas medicinais ou veneno, para as suas actividades de caça ou magia. À sua função, acrescentaram frequentemente elementos artísticos ornamentais.

Fonte: Internet.

As Vénus de Valdivia são figuras de barro ou pedra, famosas por realçar as formas femininas, usualmente despidas, e por usarem penteados de todos os tamanhos. O penteado nesta cultura, quanto mais elevado era, indicava que a mulher tinha uma hierarquia mais importante dentro do seu grupo. O barro para executar estas peças era extraído do solo e rapidamente se converteram numa referência posterior, já que foi uma temática muito repetida. Por este facto, vemos a diferença estética e técnica nas diversas culturas posteriores.

Todas as figuras de barro e pedra da cultura valdiviana têm as mesmas características. Olhos registados simplesmente com uma incisão e em forma de grão de café; linha grossa de sobrancelhas que faz a forma do nariz; braços junto ao corpo e pernas sem pés. Além do mais, têm formas arredondadas e todas elas têm marcado o sexo, sobretudo os peitos. Outra característica importante são os complicados penteados que todas elas envergam. Ainda que se tenha teorizado muito acerca da sua finalidade, questionando-se também o nome dado de Vénus; encontraram-se muitas destas peças em tumbas e enterradas nos campos. Crê-se que seriam uma espécie de talismã para fecundar a terra e para propiciar a fertilidade.

O enterro de defuntos realizava-se nos mesmos montículos das habitações, ainda que não seja claro se estas eram abandonadas depois. Por vezes, as crianças eram sepultadas em vasos de cerâmica. Encontraram-se enterros de todos os tipos, primários e secundários, individuais e colectivos. Os cães domésticos também eram sepultados, seguindo um padrão funerário parecido ao dos seus donos. A grande quantidade de figuras fragmentadas, encontradas nos sítios arqueológicos, faz pensar que estas eram elementos de uso ritual. Estes estavam possivelmente associados à fertilidade, apresentando algumas delas rostos inchados e pequenos recipientes para guardar a substancia que liberta o alcalóide.

OS MIXTECAS

Mapa da região Mixteca. Revista Arqueologia Mexicana, Editorial Raízes.

A área do povo mixteca corresponde à metade Oeste do estado de Oaxaca, com algumas comunidades desta etnia estendendo-se para os estados vizinhos de Puebla e Guerrero. Os centros urbanos principais dos mixtecas incluem a antiga capital de Tilantongo, assim como outras cidades como Achiutla, Huajuapan e Mitla, entre outras. O seu território está dividido por três áreas geográficas e culturais: A Mixteca Alta, nas zonas montanhosas que circundam o Oeste do vale de Oaxaca. A Mixteca Baixa, situando-se a Norte e Oeste da zona montanhosa. E finalmente a Mixteca Costeira, situando-se nas planícies do Sul e na costa do Oceano Pacífico. Na maior parte da história Mixteca a zona Alta foi a força politicamente dominante, com a capital, Tilantongo, localizada na zona central montanhosa. O vale de Oaxaca foi, durante o período Pós-Clássico, uma zona fronteiriça disputada entre os mixtecas e os zapotecas.

O termo Mixteca deriva da palavra Nahuatl Mixtecapan, ou “lugar do povo da nuvem”. Os mixtecas chamavam-se a si próprios ñuu savi ou ñuu djau, dependendo da variante local da sua linguagem. Na sua história dos Mixtecas, Kevin Terraciano usa o termo Ñudzahui, que traduz como “o povo do lugar da chuva”.

Maquete de estrutura arquitectónica Mixteca. Museu Nacional de Antropologia, México. Foto Tempoameríndio.

Já desde tempos Pré-Clássicos os antigos povoadores da região mixteca contavam-se entre os iniciadores da arquitectura lítica, como se pode ver nos primeiros edifícios de Montenegro, tendo sido desenvolvidos até ao final do período Clássico os novos centros que iriam afirmar a etnia mixteca que, apesar de conter elementos da arte zapoteca, desenvolveram características muito próprias, nomeadamente nos trabalhos de ourivesaria e na escrita pictográfica. Esta última irá difundir-se por quase toda a Mesoamérica durante o período Pós-Clássico. Alfonso Caso, ao interpretar os códices mixtecas, faz-nos remontar até à fundação da dinastia de Tilantongo por volta de 824 d.C., sendo esta a mais antiga resenha histórica que se conserva de fontes indígenas no México central e que descreve o seu desenvolvimento até depois da invasão espanhola. Intimamente misturados com os sucessos de carácter histórico, como ocorre sempre nas crónicas indígenas, aparecem figuras lendárias como o deus Quetzalcoatl e o mítico herói cultural mixteca Oito-Veado; este último aparecendo também esculpido numa lápide de Monte Albán.

Processo de fabrico de papel a partir da casca de figueira. Dorling Kindersley Ltd, Londres.

Estes códices eram realizados em folhas feitas de pele de veado ou a partir de papel feito de cascas de figueira, sendo que no final as folhas eram polidas com uma pedra e, finalmente, a superfície era coberta com cal branca onde posteriormente eram realizados os glifos desenhados. Estes códices são desdobrados em forma de biombo ou harmónio e a sua leitura é realizada da direita para a esquerda. De uma forma muito sucinta, poderíamos dizer que a linguagem pictográfica desenvolvida nestes livros utiliza uma sobreposição de símbolos fonéticos, topónimos e várias simbologias e numerações, nomeadamente calendarista. O seu dinamismo de leitura reside substancialmente numa relação de mnemónica visual, aliando de forma estreita e concisa o relato escrito e a tradição oral. Os códices mixtecas descrevem a sua história e as genealogias, sendo que o relato mais conhecido é do senhor Oito-Veado, chamado assim a partir do dia em que nasceu. O seu nome pessoal é Garra de Jaguar, cuja história épica é relatada em vários códices, incluindo o codex Bodley e o códice Zouche-Nuttal. Oito-Veado conseguiu com sucesso conquistar e unir a maior parte da região mixteca, tendo como capital a cidade de Tilantongo.

Pormenor do códice Zouche-Nuttall com a representação de Oito-Veado, a figura ao centro. Fonte: Internet.

Durante o período de Monte Albán IV, que abarca entre 1000 e 1300 anos d.C., os mixtecas alargaram o seu domínio em quase toda a região de Oaxaca, conforme se vai debilitando o impulso cultural zapoteca. Pensa-se que será nesta fase que intervêm na execução dos templos de Mitla, onde ainda se conservam restos de pinturas murais cuja proveniência é indiscutivelmente mixteca.

Os mixtecas acabaram por ocupar Monte Albán, esvaziando ocasionalmente algumas tumbas zapotecas, para colocar nelas os seus próprios defuntos. É assim que na tumba 7 de Monte Albán, descoberta em 1933 por Alfonso Caso, se recuperou um fabuloso tesouro constituído por jóias do mais puro fabrico mixteca: colares, anéis, pulseiras, pendentes e demais objectos finamente fundidos em ouro, pelo processo da cera perdida; copos, orelheiras de cristal de rocha, raspadores de osso lavrado, entre outros. Deste modo, uma cidade como Zaachila, que tinha sido a capital política dos zapotecas, ostenta nos seus sepulcros do último período, relevos mixtecas em estuque e oferendas de cerâmica mixteca-puebla. Apesar de na sua arquitectura, os mixtecas nunca terem conseguido superar a grandiosidade de Monte Albán e o refinamento de Mitla, haviam de converter-se nos mais geniais artificies que a Mesoamérica produziu. Foram eles que começaram a usar o branco resplandecente, a prata, o metal da Lua unido com o ouro, conseguindo desta maneira trabalhar melhor, podendo realizar obras mais detalhadas usando delgados e finos fios de ouro, os quais conseguiam na mesma fundição da peça.

Ourivesaria Mixteca. Office du Livre S. A. Suiça 1982.

Apenas aos governantes, sacerdotes e guerreiros era permitido utilizar objectos de ouro, porque este era considerado uma matéria sagrada. Estes objectos eram também comercializados para as elites estrangeiras.

Os ourives eram supervisionados pelos sacerdotes, sobretudo quando deviam representar os deuses: Toho Ita, o senhor das flores e do Verão. Koo Sal, a serpente emplumada. Iha Mahu, o Esfolado, deus da Primavera e dos ourives. Yaa Dzandaya, divindade do mundo inferior. Ñuhu Savi ou Dazahui, deus da chuva e do raio e Yaa Nikandii, o deus solar, implícito no próprio ouro. A todos eles se representava como homens, incluindo o sol, que também era invocado em forma de círculos lisos ou com raios solares repuxados. As divindades tinham também manifestações zoomorfas, como jaguares, águias, faisões, borboletas, cães, coiotes, tartarugas, rãs, serpentes, mochos e morcegos.

Conjuntamente com os popolocas de Puebla e outros povos, os mixtecas integraram no final do período Pós-Clássico, entre 1300 e 1521 d.C., um pujante complexo cultural conhecido pelo nome de mixteca-puebla. Este complexo, que cobre a zona de Oaxaca e os vales de Puebla e Tlaxcala, com ramificações em Veracruz, Morelos, Guerrero e no vale do México, estende a sua influência artística em todos os âmbitos da Mesoamérica, desde Sinaloa e Huaxteca a Norte, até ao Yucatão e Nicarágua no Sul; como podemos ver nas pinturas murais de Santa Rita no Belize e nas de Tulum, que têm o inconfundível selo do estilo gráfico dos códices mixtecas. Caberia aqui referir, em relação à arte pictórica destes manuscritos, mixtecas ou de outras culturas, como o códice Fejérvary-Mayer ou o Nuttal, que são de um grafismo conciso e extremamente expressivo, juntando um toque de precisão e preciosismo à linguagem simbólico-poetica que vimos nas pinturas murais da cidade Clássica de Teotihuacan. O códice Bórgia, obra de um tlacuilo ou escriba-pintor genial, mostra um sentido surpreendente na composição e na cor.

Prato decorado em estilo mixteca-puebla. Conaculta/Inah e Grupo Azabache, México.

Aparte dos grandes centros oleiros de Oaxaca, aquele com maior fama na época mexica foi sem dúvida Cholula, o grande santuário do vale de Puebla. A cerâmica cholulteca era tão apreciada nesse período, que constituía uma moeda particularmente estável dentro do sistema de comércio indígena – a par com os chalchihuites ou pequenas contas de jade, as penas preciosas ou das medidas de ouro em pó e o cacao – sendo que o próprio soberano Motehcuzoma apenas utilizava para o serviço da sua mesa dois desenhos especiais de “… barro de Cholula, um vermelho e outro negro”, segundo nos conta Bernal Diaz del Castillo, o soldado espanhol que integrou a invasão, adiantando que o imperador mexica não se servia duas vezes da mesma peça. O estilo pictórico desta cerâmica está ligado directamente aos desenhos dos códices. De uma execução perfeita, decorada com o gosto subtil mas vincado que se encontra nos códices, donde provem a denominação de cerâmica tipo códice. Atribuído a certos utensílios, esta cerâmica policroma finamente polida, com cores que ainda conservam a sua intensidade e brilho, caracteriza-se por incensários, com pega e suportes, elegantes cântaros, vasilhas tripoides com suportes zoomorfos, grandes pratos, copos com suporte anular e recipientes bi-cónicos de onde emergem caveiras ou cabeças de jaguares, águias e macacos.

Deste modo podemos apreciar como, se bem que a obra civilizadora tolteca tenha coberto todo o período Pós-Clássico, será mais ainda a arte mixteca-puebla aquela que haveria de exercer, até à chegada dos espanhóis, uma influência artística profunda em quase todas as regiões da vasta Mesoamérica. De facto, com esta arte começava a diluir-se as fronteiras estilísticas que delimitavam até então muitas zonas e, caberia mencionar, durante o chamado período histórico do Pós-Clássico, de uma preponderância da mistura de influências culturais tolteca-mixteca.